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Entrevistas: Equidade de Gênero e Computação Pervasiva com Sílvia Amélia Bim e Ecivaldo Matos

Entrevistas: Equidade de Gênero e Computação Pervasiva com Sílvia Amélia Bim e Ecivaldo Matos

Quem acompanha a revista Computação Brasil da Sociedade Brasileira de Computação (SBC), viu que na sua última edição (n.°34 – julho/2017) foram abordados temas relacionados à “Computação para tudo e todes”, desde Educação, Democracia, Realidade Virtual e Aumentada até Equidade de Gênero. Para escrever o artigo sobre Equidade de Gênero (Computação Brasil, n° 34, página 43), eu realizei entrevistas com a professora Sílvia Bim (UTFPR) e com o professor Ecivaldo Matos (UFBA) sobre Equidade de Gênero e Computação Pervasiva. Como o espaço na revista para abordar esse tema tão interessante foi curto, trago na íntegra para a Coluna Meninas Digitais as entrevistas.

Coluna Meninas Digitais: Você acredita que a equidade de gênero é importante na computação? Por quê?

Sílvia: A equidade de gênero é importante para a Computação, pois atualmente esta área é responsável pelo diferencial econômico do mundo. Quem domina o desenvolvimento da tecnologia pode ter também o domínio econômico. Desta forma, as mulheres também devem fazer parte do grupo de pessoas que desenvolve a tecnologia. A participação da mulher, além de oferecer a ela uma oportunidade de trabalho com rendimentos melhores do que muitas outras opções profissionais, também permite que a sua opinião, sua experiência de vida seja considerada nas novas soluções tecnológicas. É importante que a voz, a opinião das mulheres, seja ouvida e respeitada. Uma equipe com mais diversidade de opiniões pode gerar uma discussão mais rica (se todas as opiniões forem analisadas e consideradas) e consequentemente gerar um produto/solução mais adequado para as necessidades das pessoas que farão uso dele.

“Quem domina o desenvolvimento da tecnologia pode ter também o domínio econômico.”

Coluna Meninas Digitais: Como você enxerga as relações entre o desequilíbrio de gênero na computação e a pervasividade da computação nas atividades cotidianas?

Sílvia: Temos pelos menos dois aspectos para esta questão. Primeiro, se a mulher fizer parte, ativamente, ou seja, contribuindo com seus conhecimentos técnicos, estratégicos e pessoais, do processo de desenvolvimento de tecnologia, o produto final terá levado em consideração a perspectiva da mulher e consequentemente as mulheres que farão uso desta tecnologia, se sentirão contempladas. O segundo aspecto, que deriva do primeiro, é o fato de ao proporcionarmos mais acesso das mulheres às tecnologias elas terão mais autonomia e independência – poderão administrar sua própria conta bancária, poderão atualizar seus conhecimentos através das diversas possibilidades de ensino à distância, poderão participar da vida social através de suas presenças nas redes sociais.

“ao proporcionarmos mais acesso das mulheres às tecnologias elas terão mais autonomia e independência”

Coluna Meninas Digitais: Como mulheres de diferentes perfis (mulheres negras, mulheres trans, mulheres periféricas etc) podem ser afetadas pelo desequilíbrio de gênero em tempos de computação pervasiva?

Sílvia: A situação é complexa. É necessário agir em várias frentes. No Ensino, é necessário rever nossos currículos que deixaram de ser atraentes, não apenas para as mulheres mas para os homens também. É preciso apresentar o conteúdo da área de Computação através de outra perspectiva – explorando as possibilidades de criatividade, inovação, responsabilidade social. Mas para isto temos um outro desafio que é atualizar os(as) atuais docentes, fazermos eles(as) refletirem sobre suas atuações e repensarem as estratégias de ensino-aprendizagem.

Na Pesquisa temos que reconhecer que métodos qualitativos, por exemplo, onde a subjetividade do(a) pesquisador(a) é sinceramente considerada no planejamento, execução e análise da pesquisa, também são métodos científicos reconhecidos e válidos. É uma outra forma de olhar o mundo que permite que diferentes pensamentos sejam considerados e valorizados.

Nos setores de desenvolvimento e inovação várias pesquisas já indicam que equipes diversificadas tem mais criatividade e consequentemente mais oportunidades de inovação. Entretanto, o contexto das empresas também deve ser revisto e modificado – as equipes têm que estar realmente preparadas para trabalhar com o diferente e os cargos de gerência precisam ser igualmente ocupados por homens e mulheres.

“No Ensino, é necessário rever nossos currículos que deixaram de ser atraentes, não apenas para as mulheres mas para os homens também.”

Coluna Meninas Digitais: Por que iniciativas como o Programa Meninas Digitais são importantes em tempos de computação ubíqua e pervasiva?

Sílvia: Em pesquisas que realizamos em escolas públicas da cidade de Curitiba ouvimos das estudantes, adolescentes de 13, 14 e 15 anos, que o uso do computador em suas casas é prioridade dos irmãos, homens. É muito triste ouvir isto em pleno século XXI. Mas é a realidade. As ações do Programa Meninas Digitais e outras semelhantes vêm mostrar para estas adolescentes e meninas que a Computação também é uma possibilidade de atuação profissional para elas. Através das oficinas realizadas, por exemplo, mostramos que elas podem e devem fazer uso da tecnologia em busca de melhor qualidade de vida, usando os recursos de maneira consciente e segura. Ao dominarem o uso desta tecnologia se sentirão capazes de propor novas propostas tecnológicas para outras pessoas.

Coluna Meninas Digitais: Por que é importante a participação de homens na discussão sobre equidade de gênero na computação?

Ecivaldo: As mulheres não estão sozinhas. As mulheres e os homens sejam cis ou trans não estão sozinhes. Vivemos em sociedade, afetamos e somos afetados pelos outros. Portanto, de nada adianta a discussão ficar apenas entre as pessoas diretamente afetadas. Serão apenas um conjunto de pessoas incomodadas? Não, não pode ser assim.

Seja na discussão sobre equidade de gênero ou em qualquer outra, se estamos falando de equidade, não podemos deixar de falar sobre alteridade. Se temos mais homens na Computação, talvez seja porque nós (homens) aprendemos que essa área é nossa. Assim como elas (mulheres) foram “ensinadas” a pensar que precisam aprender a cozinhar para os maridos e filhos e/ou ser uma boa enfermeira ou professora. Essa lógica está errada.

Por que hoje o exercício da computação (e das engenharias e outras exatas) é um lugar de domínio masculino? Talvez porque a sociedade nos ensinou errado. Bem, se isso for verdade precisamos então mudar a sociedade. Quem forma a sociedade? Homens e mulheres, cis e trans, com seus preconceitos, visões de mundo, costumes, ideologias.

Portanto, se há discussão sobre equidade de gênero (seja na computação ou em qualquer outra área/espaço), todos devem participar. Todos devem se sentir afetados por essa temática.

“Se há discussão sobre equidade de gênero (seja na computação ou em qualquer outra área/espaço), todos devem participar. Todos devem se sentir afetados por essa temática.”

Coluna Meninas Digitais: No seu ponto de vista, quais são os desafios que a área da computação precisa enfrentar para tornar seus setores (Ensino, Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação) mais inclusivos?

Ecivaldo: Primeiramente reconhecer que a academia e os campos de atuação da computação não são inclusivos. Não estou falando apenas da necessidade de cotas, mas da necessidade da pluralidade social se refletir dentro da universidade e nos espaços de trabalhos. Só assim poderemos começar a reconhecer que a universidade é um espaço social. Tornando-se efetivamente um espaço de produção de conhecimento socialmente significativo. Enquanto os ambientes de trabalho possam receber profissionais com múltiplas concepções e experiências socioculturais.

Enquanto estudante, trabalhei em projetos de “inclusão social” em que trazíamos jovens do entorno da universidade para dentro dela. Ouvi de vários deles “-Isso aqui não é para mim.”. Quando eu perguntava o porquê, ouvia sempre algo do tipo “- Eu não tenho como estudar para chegar aqui”. Em tempos de políticas afirmativas de acesso à universidade, precisamos nos debruçar sobre as políticas de permanência.

Receber os calouros e, desde o início, separá-los entre “os bons” e “ruins”, leia-se “aqueles que já vieram semiprontos” e “aqueles que realmente precisam de mais esforço dele e da universidade” não é o caminho. Vejo isso acontecer. O que precisamos é que as políticas de permanência existam, mas além disso, elas sejam orgânicas. Que toda a comunidade universitária as reconheça como uma necessidade para o bem harmônico do conjunto. Para que possamos ter novos líderes e profissionais brilhantes no ensino, na pesquisa, na extensão e na inovação tecnológica. Que não percamos a oportunidade de formar “mentes brilhantes” por causa da sua condição social, de gênero ou de raça/etnia.

Além disso, a Computação tão plural é que deve formar sujeitos mais plurais. Rever o significado da Computação de apenas uma área de formação de “nerds”, para uma área atrativa para diferentes perfis e interesses.

“Que não percamos a oportunidade de formar “mentes brilhantes” por causa da sua condição social, de gênero ou de raça/etnia.”

Coluna Meninas Digitais: Como mulheres de diferentes perfis (mulheres negras, mulheres trans, mulheres periféricas etc) podem ser afetadas pelo desequilíbrio de gênero em tempos de computação pervasiva?

Ecivaldo: O desequilíbrio numa área de produção tecnológica como a nossa reflete diretamente nas ideologias, visões de mundo e discursos imbricados nas tecnologias. Pessoas machistas produzem tecnologia com ideologia machista.

Outro dia me peguei discutindo com um colega da área sobre a ideologia por trás de um código-fonte. Pode parecer esquisito em um primeiro momento, mas se observarmos com mais cuidado, perceberemos o quanto “nos colocamos” nos nossos produtos. Essa discussão começou por conta de um algoritmo de reconhecimento facial em que uma mulher precisou prender seus cabelos (crespos) para que pudesse ser reconhecida por ele. Bem, a justificativa óbvia é que o algoritmo não estava preparado para tal situação. Aí veio a pergunta, por quê? Nesse porquê entendemos como as mulheres negras, trans e todas aquelas fora dos padrões dominantes são afetadas. Simplesmente pela desconsideração da sua existência.

Essas mulheres precisam estar do outro lado, da produção tecnológica, em todos os campos, para que possamos ter tecnologia com a “cara” da sociedade plural em que vivemos.

“Pessoas machistas produzem tecnologia com ideologia machista.”

Sílvia Amélia Bim, Doutora em Ciências – Informática pela PUC-RJ, professora adjunta da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), no campus de Curitiba e coordenadora do Programa Meninas Digitais (SBC) e do projeto de extensão Emíli@s – Armação em Bits na UTFPR-CT.

Ecivaldo Matos, Doutor em Educação pela Universidade de São Paulo, Professor Adjunto do Departamento de Ciência da Computação da Universidade Federal da Bahia e líder do Programa Onda Digital.

Foto da Professora Silvia Bim, professor Ecivaldo Matos e professor Cristiano Maciel no WIT 2017

Professor Ecivaldo Matos (centro) acompanhado da professora Sílvia Bim e do professor Cristiano Maciel (coordenadores do Programa Meninas Digitais) no WIT@CSBC 2017 – Foto por Pedro Neto.

Texto por Karen da Silva Figueiredo Medeiros Ribeiro.